Fazia cerca de uns três meses que estava em Berkeley, na Califórnia, em 1973. Meu aprendizado de Inglês, que tinha começado ouvindo o Elvis Presley e não entendendo nada ainda no Brasil, agora estava tendo um curso curioso. Assim que chegara, para estudar em uma escola de Inglês para estrangeiros em East Oakland, tinha sido convidado pelos outros brasileiros locais para uma festinha num dos quartos. Notícias da terrinha e tal, fui apresentado a pessoas da escola, e até conheci uma moça interessante, chamada Debra. Ela era uma ruiva sardenta descendente de Portugueses e no dia seguinte descobri que era minha professora de conversação. Depois até namoramos um tempo. Mas isso não vem ao caso. No dia seguinte, no café da manhã expliquei aos meus compatriotas, que sentavam todos na mesma mesa, que não queria falar Português, que não achava a bandeira do Brasil bonita, que não gostava de samba e que queria aprender Inglês e que, portanto, só se dirigissem a mim em Inglês. Ô língua... Evidentemente viraram todos meus inimigos. O fato é que, a partir daí, comecei realmente a aprender Inglês. Não na escola, onde fiquei apenas dois meses e, mesmo esses, com mais aulas matadas do que assistidas. Mudei para Berkeley e comecei a aprender com os novos amigos que tinha feito. Kim, um Inglês; Terry, um cigano que andava para baixo e para cima com uma bandana no pescoço e com a Debra. Como falava mais do que escutava – é assim até hoje, dirão meus ‘amigos’ – aprendi a falar antes de entender.
Uma noite, fui a um barzinho chamado The Cheshire Cat, que ficava do outro lado do Campus de onde eu morava. Era um lugarzinho simpático, com mesinhas na calçada e freqüentado pelo pessoal da universidade. Nesta noite, estava em uma mesa sozinho e comecei a prestar atenção na mesa ao lado. Estavam falando muito rápido em uma língua diferente. Quinze segundos. Foi esse o tempo que levou para as peças se encaixarem na minha cabeça e avisarem meus ouvidos. Era Português. Mas durante aqueles quinze segundos ouvi o som da minha própria língua. Tive o privilégio de ouvir Português como a ouvem os estrangeiros, sem entender o significado, curtindo apenas sua música. É uma língua melódica, linda, sincopada e estranha.
Nunca mais esqueci aquele som.