01/01/2008

Os Excluídos


Nós os vemos todos os dias. Quando batem na porta para pedir comida, nos faróis, pedindo moedas, balas, cigarros, qualquer coisa. Ou então limpando pára-brisas de carros até quando as pessoas não querem ou não tem nada para dar em retorno do serviço. Os vemos também vagando pelas ruas, sem destino; passamos por eles amontoados em abrigos de papelão dentro dos túneis e embaixo dos viadutos; cruzamos com eles e os ouvimos gritando incoerências ou então, desviamos deles de manhã, quando estão largados na calçada, dormindo na chuva em posição fetal. Eles podem estar sozinhos ou em grupos, serem homens ou mulheres, velhos ou jovens. E, muitas vezes, com crianças por perto, sempre muitas crianças.
São os excluídos.
A reação das pessoas é de desagrado ou nojo. Os excluídos metem medo. Não ocorre a ninguém que são eles que sentem medo de nós. Muito medo. A vida só lhes ensinou a apanhar, a perder, a não ser ninguém, a viver sem amor próprio. É certo que vêem o desagrado nos olhos e nos gestos das pessoas. É claro que sentem o desprezo e é certeza que sentem o nojo.
Mas é possível ver neles, às vezes, e se prestarmos atenção, semelhanças físicas com muitas pessoas que conhecemos pessoalmente ou que estão na mídia. Um pode ser a cara do Jim Morrison, outro, com um trato da imaginação, lembrar um cantor conhecido, um pintor famoso, um executivo de destaque ou uma socialite.
E se fossemos retirados dos lugares onde somos usuais, onde fazemos sentido, não nos tornaríamos também estranhos? E se nos encontrássemos, de repente, na periferia de uma cidade estranha, por exemplo, com outro uniforme, outra língua, outro dialeto ou gíria sendo falados ao nosso redor, em outras circunstâncias de vida onde não fossemos conhecidos, onde nossos sinais secretos não fossem refletidos pelos muros, pelos olhares de reconhecimento? E se não trouxéssemos pendurados no corpo os mil detalhes efêmeros que nos dão segurança e identidade, história e respeito? Não seríamos nós também, vistos com desconfiança, nojo e medo? E não estaríamos apavorados, por sermos nós os excluídos? Por que, quando olhamos para eles então, não nos perguntamos: quem fez isso? Eu desconfio que é porque nós saberíamos a resposta.