01/01/2008

Orelha
Ivan Lessa


Um aristocrata dos tópicos


A crônica é uma luta contra o tempo. O cronista tem até tantas horas para entregar as laudas (hoje, melhor dizendo, o número de palavras e caracteres) e – sempre, sempre, sempre – aquela outra obrigação: ser interessante. A muda briga de foice entre cronistas de jornais, a possibilidade (oba!) da “syndication”, uma que nós ainda não traduzimos, ao contrário de “deletar” ou “printar”. Os brasileiros, temos uma bela tradição de crônica. O próprio gênero é de difícil tradução ou explicação em outras línguas. Tem a ver com o tempo, claro (afinal vem de cronos), tem a ver com um personalíssimo jeito de ver as coisas. Contar casos, flagrar instantâneos, narrar-se, dar-se. Quase alguns instantes íntimos entre amigos num bom bar, já deve ter apontado alguém. Às vezes, dá vontade de culpar esse raio desse jeito para a crônica pela ausência de autobiografias e memórias em nossas bibliografias. Crônica: uma saída fácil. Dizem. Dureza: nela entrar.
Esse problema não existe para Sérgio Pinheiro Lopes. Como nas coisas mais difíceis, faz com que pareçam fáceis. Chateado e com inveja, busco explicações. Não teve pela proa um chefe de redação cobrando o texto. Não pegou o sujeito na esquina querendo lhe quebrar a cara por isso ou aquilo. Em compensação, não pegou a noitada (às vezes, quem sabe?, a viagem) boca livre, não foi assediado pela senhora ou senhorita querendo, digamos assim, uma crônica de natureza mais íntima pessoalmente autografada. As crônicas do Sérgio são mais puras, seu estado beira o platônico. Ele escreve crônicas para a gaveta, pode ser eletrônica, mas não deixa de ser gaveta. Uma condição única e exemplar. Sérgio fica na condição, nada invejável, frise-se, de não ter desculpa, como o resto da turma, para uma crônica ser melhorzinha que a outra. De não manter consistência. Tem tudo que ser da melhor qualidade. E não é que é?
Sérgio, por ter assumido um compromisso mais sério, o com ele mesmo, pode se dar ao luxo de tentar vôos mais altos. Ou mais curtos, justamente os mais duros. Volta e meia, ele aterrissa nas pistas traiçoeiras da poesia, como podem atestar o texto que deu margem ao bisonho jogo de palavras que deu título a este texto ou o busto do soldado romano com seu “sorriso de cinzas e olhar de sombras”. O leitor que saia garimpando sozinho. Embora o importante é deixar claro que bom mesmo é a paisagem geral. Nela, o verdadeiro ouro. É só olhar e conferir.

Ivan Lessa

Londres, dezembro de 2002