01/01/2008

As Músicas da Rua


Estava outro dia almoçando em meu pequeno terraço que se debruça sobre a rua sem saída onde moro, quando ouvi a corneta de um vendedor de doces que passava em direção às escadarias no fim da rua.
Ao invés da irritação que essas interrupções sonoras provocam na maioria das pessoas, me veio a lembrança do enorme número de diferentes tipos de gritos e chamadas de vendedores ambulantes que havia quando eu era menino.
O primeiro que lembro é do garrafeiro. Ouvia desde longe o grito que esticava as duas últimas sílabas para depois vislumbrar o homem puxando a carroça que comprava garrafas usadas e jornais velhos. Pagavam muito pouco, mas pagavam.
Havia também o que comprava roupas usadas e gritava ‘compra roupa’. Era um grito mais sincopado, com um ritmo mais percussivo. Andava a pé e usava um monte de roupas umas sobre as outras, além da mala cheia a tiracolo.
O afiador de facas e tesouras tocava uma flauta, como a do deus Pan e sua afiadora de facas era uma engenhoca com uma roda de bicicleta que tanto servia para rodar com ele empurrado como, de cabeça para baixo, girava a pedra de amolar. Parecia feita artesanalmente.
O japonês da tinturaria passava às segundas-feiras. Perguntava sempre com sotaque carregado: tem roupa pra lavar?
Sorveteiro tinha de três tipos: o da carrocinha puxada à cavalo que se chamava Poi e tocava sinos. O da primeira fábrica no Brasil que empurrava uma carrocinha e gritava o nome da empresa que soava como ‘muito gostoso’. E havia os artesanais, de fundo de quintal, que apenas gritavam: sorvete!
No bairro onde cresci, durante toda a minha infância havia prédios sendo construídos. A hora da entrada, as sete da manhã, do almoço, as onze, a entrada da tarde, ao meio-dia e o aviso da saída, as cinco, era produzido com um bastão e um triângulo de ferro. Giravam o bastão dentro do triangulo fazendo um barulho metálico de velocidade crescente.
E havia também, é claro, o realejo. Era uma caixa de música com uma gaiola em cima e uma gaveta no meio cheia de minúsculos cartões. Na gaiola viajava um periquito que, por uma módica quantia, tirava um desses cartõezinhos com o bico. No cartão vinha a sorte e o futuro da ilustre pagante.
Esses barulhos praticamente sumiram, substituídos que foram por carros velhos com alto-falantes nas capotas e fitas pré-gravadas.
É incrível como só às vezes nos damos conta como os pedacinhos pequenos da vida diária que se vão, levam embora um pouco da gente também.