01/01/2008

O Olhar da Manhã


Não sei por que. O que sei é que muitas vezes tenho a sensação que alguma coisa dentro de mim decide a direção do meu olhar logo de manhã. Sem a minha participação consciente. Às vezes a minha atenção é atraída por coisas leves, como uma babá passeando um neném, uma mulher interessante no carro ao lado, alguém fazendo uma brincadeira ou apenas por um sorriso. Outras vezes acontece exatamente o contrário: é um sujeito mal-humorado, uma situação de pobreza dessas de cortar o coração, uma criança ranheta no supermercado ou todos os faróis irem ficando vermelhos na minha frente.
Não é sempre que isso acontece. A maior parte das vezes, a pressa, os afazeres, as mil e uma coisas do mercado do dia tomam conta de mim desde cedo.
Mas quando esse tipo de olhar da manhã acontece, ele dá o tom do dia. Passo o dia inteiro sob o signo dessas primeiras percepções. Fico triste ou alegre, provando do doce ou do amargo e meu discurso fica pessimista ou otimista como se eu não tivesse nenhum dizer a respeito.
Me pergunto se nos dias em que nada disso acontece, em que meu olhar não pousa em nada de especial, não seria na verdade um embotamento, pressa demais, demasiada atenção voltada para dentro, com a conseqüente perda dos pratos especiais que a vida está a servir, apimentados ou muito leves não importa, mas carregados de poesia ou de reflexão e que passam por mim sem que eu me dê conta.
Talvez essas possibilidades estejam sempre ali à espera apenas que meu silêncio interior lhes dê a chance de acontecer. Talvez não, talvez sejam uns presentes mágicos, disponíveis somente em algumas manhãs. Talvez também, eu seja só uma pessoa aprendendo a olhar.